quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Palavra plantada

Assentamento Califórnia, em Açailândia, Maranhão
Por Marcos Guinoza

Acampados ao lado da rodovia Belém-Brasília, conhecida como BR-010, o lavrador Francisco Pereira da Silva e seus companheiros resolveram, no dia 25 de março de 1996, tomar posse da Fazenda Califórnia, localizada entre os municípios de Açailândia e Imperatriz, na região sudoeste do Maranhão. O grupo era formado por 200 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No momento da ocupação, a situação ficou tensa. Havia boatos de que 80 pistoleiros estavam de prontidão para expulsar à bala quem invadisse a fazenda. "Nos primeiros dias, o nervosismo foi grande. Tive muito medo", conta a lavradora Vilani de Moura Gomes. Mas para sorte de Vilani, de Francisco e dos outros trabalhadores rurais, não havia pistoleiro nenhum. E o dono da fazenda já tinha a intenção de negociar os 7 mil hectares de terra onde criava gado. Foi assim que, um ano depois da ocupação, o Assentamento Califórnia foi regularizado.

De posse da terra, os lavradores trataram de arregaçar as mangas, pegar na enxada e fazer o que mais sabem: "afagar a terra", como cantam Chico Buarque e Milton Nascimento na canção Cio da Terra. Atualmente, os assentados - cerca de 1.300 pessoas - vivem da plantação de arroz, mandioca, milho, feijão e hortaliças; criam um pequeno rebanho de gado leiteiro; e produzem mel. "Foi com muita luta que a gente chegou até aqui", revela Vilani. E uma das lutas que mais marcou a história do assentamento aconteceu em 8 de março de 2008, no Dia Internacional da Mulher. 


Foi naquele sábado que as mulheres da comunidade realizaram um barulhento protesto contra a poluição provocada pelas carvoarias da região, queimando toras de eucalipto e interditando a BR-010. A manifestação foi noticiada com alarde pela imprensa nacional. Ao lado do assentamento, a Vale produzia carvão vegetal. E a fumaça expelida pelos fornos, de acordo com os assentados, estava causando danos à saúde das pessoas. "Por causa disso, nós não tínhamos uma relação muito agradável com a Vale", explica Francisco Andrade, um dos líderes do assentamento. "Depois do quebra, a situação melhorou bastante", completa Vilani.

A Vale deixou a região. E a Suzano Papel e Celulose chegou por lá com a difícil missão de apaziguar os ânimos e vencer a desconfiança dos lavradores. 

Por meio do Instituto Ecofuturo, foi iniciada uma longa negociação de 11 meses para a implantação de uma biblioteca no assentamento - o primeiro projeto de aproximação entre a Suzano e a comunidade. "No começo, havia certa rejeição. A gente ficou com receio de estar vendendo a nossa dignidade. Mas a gente também não podia ter o orgulho de simplesmente negar o projeto da biblioteca. Dessa forma, fizemos um trabalho de convencimento junto às pessoas", conta Francisco Andrade. 

Embora ainda haja preconceito em relação ao MST, como reconhece Andrade, a ideia de que o movimento é formado por arruaceiros é desfeita assim que se conhece um assentamento por dentro. "Somos muito organizados e exigentes. E, se precisar, vamos à luta mesmo", avisa Vilani. Andrade segue: "Nossa comunidade é bastante crítica e consciente do papel da educação. Foi uma trajetória difícil. Mas a Suzano e o Ecofuturo se empenharam muito para esse projeto vingar". 

Ler é preciso 
Fundado em 1999, o Instituto Ecofuturo é uma organização não governamental mantida pela Suzano. Desenvolve projetos que aliam educação e sustentabilidade, como os programas Ler é Preciso, que incentiva o hábito da leitura e da escrita, e Investimento Reciclável, que oferece apoio a cooperativas e associações de catadores de materiais recicláveis. A biblioteca instalada no Assentamento Califórnia integra o programa Ler é Preciso que, em dez anos, já inaugurou 88 bibliotecas em 11 Estados brasileiros, em uma ação conjunta entre o poder público, as comunidades envolvidas e a iniciativa privada.

"Quanto mais entrelaçarmos as forças no compartilhamento de ideias e experiências práticas, mais contribuiremos para a consolidação de uma política pública de leitura efetiva no Brasil, essencial para o desenvolvimento das competências de ler e escrever, base para o acesso ao conhecimento e à cidadania. A proposta do Ecofuturo é trabalhar junto. Ao implantar bibliotecas em escolas, pretendemos contribuir com as prefeituras para assegurar a exequibilidade da Lei Federal 12.244, de 2010, que determina que todas as escolas do País devem ter bibliotecas até 2020", explica Christine Fontelles, diretora de Educação e Cultura do Instituto. Segundo ela, é vital oferecer literatura às pessoas desde a infância, e um profundo desserviço à vida continuar batendo na tecla de que o brasileiro não gosta de ler. "O que a gente não tem é a cultura da leitura", enfatiza. 

A biblioteca foi instalada na Escola Municipal Antônio de Assis, em um espaço construído pela prefeitura de Açailândia. Mas não basta ter uma sala de leitura. É preciso motivar a comunidade a ler e profissionalizar o atendimento. Por isso, o Ecofuturo promoveu cursos de auxiliar de biblioteca e de promotor de leitura para 30 integrantes do assentamento, incluindo professores. Duas dessas pessoas foram contratadas pela Secretaria Municipal de Educação para trabalhar na biblioteca. "Foi exigência nossa que esses profissionais fossem do quadro da escola e, de preferência, que morassem na comunidade", salienta Andrade. O instituto também ministrou uma oficina de gestão pública aos representantes da prefeitura e às lideranças da comunidade, explicando os mecanismos existentes que possibilitam a solicitação de recursos federais para garantir o funcionamento permanente da biblioteca.

Os livros foram selecionados pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) e doados pelo Instituto Ecofuturo. São mil títulos de literatura dos mais diversos gêneros. Todos novos. "Só a presença física dos livros não adianta. Para atrair as crianças, os livros precisam ser bacanas, bonitos, novos. A parte estética é muito importante", ensina Fontelles.

Do total de obras, 30% foram escolhidos pela comunidade. "Discutimos bastante e tentamos contemplar um pouco da nossa identidade. Nossa escola é uma escola camponesa, com caráter de movimento social. Assim, escolhemos livros sobre educação no campo, agricultura, agroecologia e clássicos de autores com pensamento mais socialista, como O Capital, de Marx", explica Andrade, acrescentando que no assentamento o índice de analfabetismo não chega a 3%, bem abaixo da média nacional. No Brasil, o percentual de indivíduos acima de 15 anos que são analfabetos é de 9,6%, segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), órgão da ONU.

O valor do livro
O Assentamento Califórnia está situado a 14 km da área urbana de Açailândia, onde ficava a biblioteca mais próxima. Essa distância, conta Andrade, era o principal entrave para o contato das pessoas com a literatura. Coordenador pedagógico da escola da comunidade, formado em pedagogia da terra pela Universidade Federal do Pará e militante ativo do MST, Francisco Andrade foi o mestre de cerimônia da inauguração da biblioteca.

Sob o calor típico do sudoeste do Maranhão, com temperatura próxima dos 40 °C, a inauguração reuniu os moradores no pátio da escola, com direito a banda de música e declamação de poesia, e contou com a presença de representantes do poder público local. Foi uma grande festa, onde os assentados comemoravam com alegria a conquista da biblioteca.

Sobre o chão de terra, um pano foi estendido. E sobre o pano, alguns livros expostos. As crianças, as mais entusiasmadas com a celebração, logo se apropriaram das obras, tateando, folheando, descobrindo novos mundos em questão de segundos. "É comum, nesses lugares que temos ido, encontrar um acolhimento, uma percepção do valor do livro", explica Christine Fontelles. E nada melhor que a realização de uma festa para mostrar às crianças o quanto a leitura é importante para a sua formação, fazê-las compreender que biblioteca não é nenhum bicho-papão. "É preocupante que ainda não haja no Brasil um pensamento enraizado de que a leitura é a base para qualquer conhecimento", lamenta Fontelles.

E para quem ainda tem alguma dúvida da essencialidade de uma biblioteca bem equipada no espaço escolar, um estudo do Ecofuturo, coordenado pelo pesquisador Ricardo Paes de Barros, revelou que o programa Ler é Preciso potencializou em 156% o progresso natural da taxa de aprovação escolar e diminuiu em 46% a taxa de abandono em escolas próximas às bibliotecas implantadas pelo programa. A ideia da comunidade é ampliar ainda mais o acesso com a iniciativa Arca das Letras, realizando rodas de leitura fora do espaço da biblioteca com o intuito de facilitar o convívio dos lavradores com os livros.

No ano em que completa 15 anos de ocupação, o Assentamento Califórnia ganhou a sua primeira biblioteca. E os moradores do local escolheram batizá-la com o nome de um dos fundadores da comunidade: Francisco Pereira da Silva, o lavrador que, ao lado dos seus companheiros, tomou posse daquelas terras mesmo sob o risco de ser recebido com balas de espingarda. A viúva do lavrador, Maria do Socorro Laurinda Silva, 77, não escondeu a emoção com a homenagem. "Tô me sentindo feliz. Ele deixou o rastro dele aqui, nesta terra que ele tanto sofreu para conquistar." Francisco Andrade finaliza: "É justo a gente ter uma escola de qualidade. É justo a gente ter uma biblioteca com acervo rico. É justo você ter um livro para o seu filho ler".

Sim, da mesma forma que é justo que a terra que um dia pertenceu a um único dono hoje seja responsável pela sobrevivência digna de dezenas de famílias. Se "ler é preciso", como bem ressalta o programa do Instituto Ecofuturo, "Fecundar o chão/e se fartar de pão" também é.

Texto publicado originalmente na revista Brasileiros (Edição 50)

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Campanha Livro Solidário leva conhecimento a comunidades

A professora Andréa Cavalcante, que este ano, durante a Feira do Livro, doou cerca de 400 livros para a Campanha "Livro Solidário", lançada pelo governo do Estado, por meio da Imprensa Oficial.

FOTO: EUNICE PINTO/ AG. PARÁ

Livros arrecadados durante a 2ª edição da campanha "Livro Solidário", lançada pelo governo do Estado, por meio da Imprensa Oficial.
FOTO: ALESSANDRA SERRÃO/AG. PARÁ
Por Manuela Viana - Secom

Mais de 1.550 livros doados e a certeza de estar colaborando para a disseminação de conhecimento por meio do prazer da leitura. Para a professora Andrea Cavalcante, responsável pela expressiva doação, essa é uma missão nobre, que deveria ser imitada. O gesto coincide com a campanha Livro Solidário, que a Imprensa Oficial do Estado (IOE) levou este ano para a 15ª Feira Pan-Amazônica do Livro, com o impressionante resultado de dez mil títulos arrecadados.

Por que doar um livro? “Para compartilhar o prazer da leitura com as pessoas e fazer com que o livro funcione como uma ponte entre o saber que ele contém e os leitores. Para dar possibilidades de leitura a outras pessoas que muitas vezes não têm acesso aos livros e contribuir para que essas pessoas possam descobrir novos mundos, viajar para outros espaços e outros tempos e ter outras experiências”, explica a professora.

A ideia de compartilhar os livros surgiu a partir de uma reflexão. “Ter (um livro) por ter não proporciona grandes prazeres, pois o livro parado, depois de lido, deixa de cumprir o seu papel, que é o de ilustrar a vida de uma pessoa”, conclui ela, que começou, inicialmente, presenteando amigos e pessoas próximas que não tinham fácil acesso à leitura. Em seguida, Andrea resolveu empilhar vários livros no corredor da sala de sua casa e presentear as pessoas que a visitavam. O próprio visitante escolhia o título que levaria.

“Ver a satisfação das pessoas ao serem presenteadas era muito gratificante. Além disso, era também uma forma de contribuir para o saber. Resolvi então juntar vários livros e fazer uma grande doação para o Curro Velho”, conta. O prazer em compartilhar conhecimento, contudo, não parou por aí. A segunda doação foi feita para a escola de seu filho. Desde os guardas da escola até os alunos foram contemplados.

Este ano, durante a Feira do Livro, Andrea Cavalcante se deparou com a campanha Livro Solidário e logo quis participar. Lá se foram mais 400 livros. “Descobri que o prazer de ler não termina com a leitura, na verdade, recomeça quando outra pessoa também tem acesso àquela leitura e, assim, o livro cria pontes entre o saber e o homem. Por isso achei o máximo e abracei a campanha”, relata.

Conhecimento – A campanha Livro Solidário começou em 2004, idealizada pela primeira-dama do Estado, Ana Jatene, que acredita que a responsabilidade social e a possibilidade de dar acesso ao conhecimento, com a parceria da própria comunidade, é um compromisso não apenas do governo, mas de toda a sociedade. Na época, a campanha era coordenada pelo Programa de Articulação pela Cidadania.

Agora, na sua segunda edição, a meta é ampliar a campanha, com a criação de “espaços de leitura”, que ficarão em comunidades selecionadas pela equipe que coordena os trabalhos na IOE. A ideia é que, quando estruturados, os locais de leitura sejam entregues para uma comissão de moradores da própria comunidade, que ficará encarregada em administrar os espaços.

“Estamos buscando o apoio de associações de bairros e organizações não-governamentais (ONGs) para montarmos esses locais. Esperamos que até o primeiro semestre do ano que vem já tenhamos alguns espaços funcionando”, diz a diretora do Diário Oficial do Estado, Carmem Palheta, que está à frente da campanha juntamente com a Casa Civil da Governadoria.

O primeiro “espaço de leitura” ficará em Benevides, região metropolitana de Belém, na unidade da Fasepa. A Secretaria de Obra Públicas do Estado (Seop), uma das parceiras da campanha, já criou o projeto arquitetônico do espaço, e a Secretaria de Estado de Planejamento, Orçamento e Finanças (Sepof) destacou duas servidoras para trabalharem como bibliotecárias na campanha e fazer o processo de seleção de títulos.

A campanha tem recebido o apoio de pessoas físicas e de bibliotecas, como a do distrito de Icoaraci, de onde veio uma doação de cerca de quatro mil livros, títulos que estavam repetidos no espaço. “Já alcançamos essa quantidade de livros sem nenhuma campanha forte de publicidade, mas as pessoas estão bem sensíveis à causa. Ainda estamos sentindo o efeito da feira do livro, onde divulgamos intensamente, inclusive em escolas, na mesma época”, avalia Carmem Palheta.

Toda doação é aceita. Livros didáticos, de literatura brasileira e mundial podem ir para a campanha. As doações podem ser feitas na sede da IOE, na travessa do Chaco, bairro do Marco. Para mais informações, é só acessar o site www.ioe.pa.gov.br ou telefonar para (91) 4009-7800. A campanha não tem data para acabar.